Coluna Contraponto - Clique no LINK ABAIXO

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Falando de sexo com Dr. Carrion

À primeira vista, causa um certo estranhamento constatar que o psiquiatra de óculos, ar sério e postura respeitável tenha outro por dentro. Por trás dessa figura que esbanja credibilidade, há um homem divertido, irônico, “curto e grosso”, como ele próprio se define. Característica que, aliás, é seu principal trunfo.

Ao responder de forma clara, objetiva e sem rodeios às mais variadas questões de homens e mulheres sobre sexo, Carlos Eduardo Carrion tornou-se um dos maiores fenômenos da internet do Sul do país. Seu blog, o Dúvidas Entre Lençóis, é sucesso de audiência. Recebe em média uma centena de perguntas por mês, previamente selecionadas pela equipe do site Donna.com. Para cada resposta, contabiliza em média cem leitores.

Carrion senta-se religiosamente todos os dias à frente de seu computador CRT (aqueles brancos, de monitor antigo) para esclarecer dúvidas sobre orgasmo, ejaculação precoce, falta de desejo, traição e toda sorte de variações sobre o tema. Trata-se de um trabalho paralelo ao consultório, onde atende, de segunda a sexta-feira, das 8h às 19h.

Natural de Santana do Livramento, primogênito de quatro irmãos, Carlos Eduardo Carrion mudou-se para Porto Alegre em 1967 para cursar medicina na UFRGS.

Formou-se em psiquiatria em 1973 e, se houvesse livro de dissertação sobre sua trajetória universitária, seria apontado como um aluno mediano, que odiou o primeiro ano do curso, teve pavor do segundo e só não largou tudo porque havia passado em sexto lugar em uma faculdade pública. “E também porque não sabia o que mais poderia fazer”, lembra.

Descobriu o caminho da sexualidade graças à segunda mulher, a psicóloga e terapeuta sexual Lúcia Pesca, com quem foi casado durante 17 anos. “Devo parte dos meus conhecimentos a ela”, admite. Casado pela terceira vez com a arquiteta Debora Elman, 49, Carrion é pai de um trio de adolescentes: Bruno, 25, e Tiago, 23, da primeira união com a assistente social Maria Emilia, e Pedro, 19, filho de Lúcia.

Aos 60 anos, mantém a forma com sofrimento. Vai à academia arrastado, “como gato amarrado para banho”. Faz esteira e bicicleta e acaba de descobrir que consegue ler enquanto malha. Só assim aguenta 30 minutos contados com angústia no relógio.

Adora os prazeres da mesa, mas não faz jus à tradição gaúcha. Troca facilmente o churrasco pela culinária baiana, com preferência para moquecas e vatapás. Também é amante da comida mexicana por motivos que remetem ao ofício: são picantes.

Carrion abriu por duas horas o consultório para conceder a Donna a entrevista nas páginas a seguir.

Donna – O senhor fala de sexo de um jeito natural. Sempre foi fácil lidar com esse assunto?

Carlos Eduardo Carrion – Passou a ser fácil a partir do momento em que eu mandei às favas os formalismos, os academicismos. Logo que eu me formei em psiquiatria, tinha um jeito certo de ser psiquiatra. Tinha que usar terno de tweed, falar pouco... Sentar do jeito que eu estou sentado (com uma das pernas em cima do braço da poltrona) era uma aberração. Oferecer um cafezinho para um paciente era uma sedução. Era muito chato. Eu estava prestes a desistir quando meu psiquiatra, na época, me disse: “Tchê, não precisa ser assim. Sejas tu”. Comecei a me liberar.

Donna – O senhor sempre gostou de sexo?

Carrion – Sempre. Minha primeira imagem sexual foi com quatro anos, quando conheci a história dos Três Porquinhos. Tinha uma cena em que o Prático castigava os outros dois usando a máquina de dar palmadas na bunda, e eu achava a bunda dos porquinhos muito erótica. Sexo sempre foi assunto corriqueiro na minha casa, em Santana do Livramento. Aventuras e fantasias sexuais tinham trânsito livre. Não tínhamos pudores.

Donna – Conversar sobre sexo pode ser complicado para muitas pessoas. Tem como aprender?

Carrion – Vou contar da experiência aqui no consultório: o paciente chega todo atrapalhado, todo trancado. Então, eu começo a conversar em linguagem natural, usando termos normais, expressões que ele usaria com os amigos. Dali 10, 15 minutos, ele está falando tudo. Se diverte, dá risada. Aquela dificuldade inicial de tocar no assunto era muito mais um medo que ele tinha do outro, no caso de mim, do que dele mesmo.

Donna – Quais são as principais queixas dos homens?

Carrion – Hoje em dia, a dificuldade de ereção. E têm aumentado as queixas sobre falta de desejo.

Donna – Está relacionado à longevidade?

Carrion – Eu diria que, em alguns aspectos, sim. Os homens estão vivendo mais tempo e se deram conta de que 50, 60 anos não é mais limite para vida sexual. Então, pagam o preço de terem fumado a vida inteira, mais o sedentarismo e a obesidade. Tudo isso começa a pesar bastante. A queixa sobre falta de desejo está bastante ligada à falta de parceiras.

Donna – Justo aqui, em um Estado com nove mulheres para cada homem?

Carrion – Ah, mas é aquela história: eles têm 60 anos, mas não querem uma “velha” de 55. Querem uma guriazinha de 25. E a guriazinha de 25 não quer nada com eles. Então, começam a se frustrar, porque não conseguem a de 25, e a “velha” também não agrada. Para se defender da sensação de fracasso, perdem o desejo.

Donna – Isso é uma queixa de homens mais velhos. E os mais jovens, estão menos complicados?

Carrion – Também têm suas queixas. A maior delas é a ejaculação precoce. Há também os ansiosinhos, que têm medo do desempenho e acabam brochando. Para se defender do medo de brochar, anulam o desejo.

Donna – Teria a ver com a postura agressiva com que as mulheres têm tratado o ato da conquista, indo para cima dos homens?

Carrion – A mulher parte para cima porque está no desejo dela. Se está a fim de tal homem, tem mais é que ir à luta por ele. Já o cara tem que aprender a dizer: “Olha, agora eu não estou a fim” ou “desse jeito eu não quero”. Mas eles não dizem. São machos, como é que vão negar fogo? O problema dos homens é que eles ainda não aprenderam a dizer “não”, a dizer: “Eu sou macho, me garanto, mas agora não estou a fim, não desse jeito”.

Donna – E sobre as mulheres, quais as queixas?

Carrion – A dificuldade do orgasmo.

Donna – Uma queixa eterna.

Carrion – As mulheres ainda se baseiam no orgasmo masculino, e o orgasmo feminino é totalmente diferente. É muito mais complexo. Mulheres têm orgasmos imaginativos, fantasiosos, de toque, de carinho. É um conjunto. O orgasmo da mulher é uma coisa cultural, ampla, que tem que ser aprendida por elas. Coleciono orgasmos contados por pacientes que considero verdadeiros marcos para comprovar o que estou falando.

Donna – Pode contar?

Carrion – Teve uma paciente que teve um orgasmo quando o cara que ela desejava a cumprimentou. Ela era casada, mas sentia atração por ele, que também era casado. Ambos se separaram e, no primeiro encontro, ele se aproximou e a cumprimentou. Ela teve um orgasmo. Teve o caso de outra paciente que estava no cinema trocando torpedos com o cara. Lá pelas tantas, ele mandou um conteúdo erótico. Ela leu e teve um orgasmo.

Donna – Então, o orgasmo da mulher é uma questão circunstancial.

Carrion – Sempre, e é isso que ela precisa entender. Como são muitos elementos que a mulher necessita para atingir o orgasmo, se faltam um ou dois, ela acaba não atingindo. E, ainda assim, a experiência pode ser muito boa. Isso é normal! Um homem normal, com uma mulher normal em uma situação sexual normal tem orgasmo de 98% a 99% das vezes. Já uma mulher normal, com um parceiro normal em uma situação sexual normal tem orgasmo de 60% a 80% das vezes.

Donna – Se a mulher não está satisfeita, como ela deve falar sem ofender o parceiro?

Carrion – Ela tem que falar bem longe da cama e sem usar aquele tom de queixa. Tem que tratar o assunto normalmente, numa boa conversa, explicar o que gosta e o que não gosta. Um dos maiores defeitos das mulheres é o fato de elas quererem que o homem adivinhe seus desejos. Elas têm mania de dizer: “Ah, mas seu eu ficar dizendo tudo o que quero não tem graça!”. Não tem graça a primeira vez. Depois, a relação só melhora.

Donna – O que falta é comunicação.

Carrion – É isso. A mulher tem que entender que ela é mais complexa. E essa complexidade exige que ela fale um pouco mais, e ela não fala. Uma paciente chegou aqui dizendo: “Eu vou brigar com o Fulano, ele me trata como se eu fosse um saco de batata. Me agarra, me aperta, me joga! (imita a voz feminina, gesticula). Eu gosto de me sentir amada, carinhada...”. Eu perguntei: “Você já disse isso para ele?”. E ela: “Ah, disse...”. Perguntei: “Onde?”. E ela: “Na cama”. Na cama não serve. Na cama, o cara se sente o fracasso completo e já acha que a culpa é da mulher mesmo, ela que se dane.

Donna – Que informação sexual importante, em relação aos homens, as mulheres ignoram?

Carrion – Que o pênis é a peça-chave do homem. Sexualmente, a mulher tem que pensar no homem como um pênis. Não adianta vir com aquela lingerie maravilhosa, acender mil velinhas em volta da banheira e fazer curso de dança do ventre, se ela não sabe o que vai fazer com o pênis do parceiro. Primeiro, é preciso pensar bem o que fazer com o pênis do cara. Depois, você pode colocar todos os complementos que quiser – e que vão ser absolutamente necessários para a continuidade da relação. Mas, para esses primeiros encontros, o que interessa é o que ela é capaz de fazer com o pênis daquele homem.

Donna – E em relação à elas, o que eles ignoram?

Carrion – Tudo. Nós somos absolutamente ignorantes e incompetentes em relação às mulheres. E com um agravante: o cara que acha que entende de mulher é o pior de todos.

Donna – Quais os principais erros que homens e mulheres cometem após o casamento?

Carrion – Parar com a criatividade. Ficam objetivos e automáticos. Não vão mais a motel, dançar, não vão mais a barzinhos para conversar... Não é para discutir a relação, mas simplesmente conversar. Perdem o romantismo. E isso é fatal.

Donna – Existe casamento sem traição?

Carrion – Existe, mas não antes dos 30 anos. Uma pesquisa realizada aqui em Porto Alegre mostrou que 80% dos homens e 67% das mulheres têm relacionamento extraconjugal sexual antes dos 30 anos. É muito hormônio, muita curiosidade, muita novidade, muita tentação.

Donna – Tem alguma forma de evitar?

Carrion – O homem quer ter em sua mulher, sexualmente falando, todas as mulheres do mundo.

Ela tem que ser companheira, carinhosa, devassa, pura, romântica. Ele precisa dessa variação, caso contrário, tem que procurar a personagem que falta fora de casa. Para ela é a mesma regra: o parceiro tem que ser carinhoso, afetivo, tem que ter pegada, tem que ser ativo, passivo, tem que trazer para a mulher coisas que façam com que ela não precise mais procurar outro lá fora. Se você traz todas essas características para dentro do casamento é grande a chance de não haver traição.

Donna – Por que se diz que sexo com amor é melhor?

Carrion – Porque com amor tudo é melhor. O amor é um grande lubrificante das relações humanas. Esses dias, eu estava na fila do cinema e, atrás de mim, tinha um casal mais ou menos da minha idade. Estavam os dois de mãozinha dada, felizes. A voz da mulher, para mim, era de uma irritação insuportável. Mas o cara estava encantado. Por quê? Porque ele ama aquela mulher. E o amor faz um filtro nos ouvidos dele.

Donna – O senhor está sempre observando?

Carrion – Eu sempre fui um voyeur, desde antes de cogitar fazer medicina. Eu adorava uma fofoca. Em Livramento, desde pequeno, eu sabia quem andava com quem, quem tinha feito o quê... Essa característica eu sempre tive. Eu observo as pessoas, eu bisbilhoto. Não invado o espaço delas, claro. Mas sou um voyeur convicto.

Donna – Diz-se que o tamanho do pênis não interfere no grau de prazer da mulher.

Carrion – O que importa para a maioria das mulheres é o homem que está atrás deste pênis e o que ele sabe fazer com ele, e seu corpo, na cama. Do ponto de vista visual, e o aspecto visual é relevante, um pênis maior leva vantagem para um grupo significativo de mulheres – calculo que para 60% a 80% delas, embora essa importância tenda a perder valor ao longo da relação. Apenas para 10% a 15% das mulheres um tamanho maior é relevante.

Donna – O mau amante melhora com Viagra, ou Viagra não melhora ninguém?

Carrion – Um mau amante é um mau amante. Com Viagra ou sem.

Donna – A que o senhor associa o sucesso de Dúvidas Entre Lençóis?

Carrion – Basicamente, ao fato de eu responder às dúvidas das pessoas de forma objetiva. Dia desses, uma mulher mandou um e-mail dizendo: “Fui transar com meu marido e, quando ele tirou a roupa, estava usando uma calcinha minha. Não é a primeira vez que isso acontece. Será que ele é homossexual?”. Respondi: “Olha, se é homossexual ou não, não sei dizer. Só sei que ele gosta de se vestir de mulher. Agora, o problema é teu de saber se tu queres este marido ou não”.

Donna – É a famosa resposta “curta e grossa”.

Carrion – Só assim para as pessoas entenderem. Tem uma outra mulher que escreveu dizendo que está casada há oito anos com um cara, e ele simplesmente não transa com ela. Já foi ao médico, que receitou alguns medicamentos, mas ele não aceita fazer tratamento. Em contrapartida, é um bom pai. Ela me perguntou: “O que eu faço doutor?”. Eu respondi: “Se para ti é mais importante que ele seja um bom pai e cuide bem da tua filha, fica com ele. Se tu queres uma vida sexual ativa, vai para outra. Com este aí não vai dar”.

Donna – As pessoas têm tantas dúvidas porque são desinformadas, ou é carência mesmo?

Carrion – Umas são desinformadas, outras são carentes. E outras perguntam porque existe um anonimato. Elas não precisam olhar nos olhos de ninguém e admitir o que, para elas, são fraquezas.

Donna – O senhor não se cansa de falar sobre sexo?

Carrion – Não, porque a experiência me faz mudar pontos de vista, aprimorar novas técnicas. Cada vez que tu trabalhas com sexo, vai te dando conta do entorno que existe em relação ao assunto. A parte sexual é primária, mas o entorno desse comportamento é interessante e complexo.

Donna – O senhor foi casado três vezes...

Carrion – (Interrompendo) Eu sempre curti muito mulher. Acho homem um ser muito chato. Homem só gosta de falar de futebol, negócios e mulheres. Eu estaria plenamente satisfeito se tivesse transado, em toda a minha vida, com as mulheres que os caras dizem que transam em uma única noite, naquelas conversas lá no Barranco. Mulheres são diferentes. Elas conversam de bolinho inglês à posição filosófica de Kant.

Donna – Seus filhos conversam sobre sexo com o senhor?

Carrion – Não. Eu sou pai, né? Santo de casa nunca faz milagre (risos).
MARIANA KALIL


Nenhum comentário: