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sábado, 20 de junho de 2009

O “jeitinho” na política

Sérgio Buarque de Hollanda foi um dos maiores historiadores brasileiros. É conhecido pelos estudantes dos cursos da área de Ciências Sociais principalmente devido ao seu livro “Raízes do Brasil”, de 1936. Nesta obra, Sérgio Buarque aborda aqueles que seriam, em sua ótica, os principais aspectos da história da cultura brasileira, trazendo o legado cultural da colonização portuguesa no Brasil e mostrando de que forma certos aspectos da cultura portuguesa foram absorvidos, adaptados ou ignorados pelos formadores da nova nação sul-americana.

Um dos aspectos presentes na obra é o conceito desenvolvido pelo autor e chamado de “homem cordial”, característica típica do brasileiro. Contudo, ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, a palavra “cordial” não tem o sentido de cordialidade, de gentileza, de auxílio ao próximo: a palavra está diretamente relacionada à sua raiz latina, “cor”, que significa “coração”. Assim, o “homem cordial” não é o homem gentil, mas sim, o homem que se deixa levar pela sua emoção em detrimento de sua razão: o “homem cordial” é aquele que se utiliza de apelos ou chantagens emocionais para conseguir o que quer.

A caracterização do “homem cordial” está relacionada diretamente com outra característica cultural do Brasil: o “jeitinho brasileiro”. Todo brasileiro, em algum momento ou outro, se orgulha de ter “dado um jeitinho” para solucionar algum problema, se orgulha de ter passado por cima das regras em alguma situação que poderia prejudicá-lo e, ao final, ter “se dado bem”, burlando normas e/ou convenções sociais para atingir seu objetivo. Daí vem também outro elemento da cultura brasileira, o “malandro”, que é o indivíduo que sabe que está fazendo algo não necessariamente correto mas, como “se dá bem”, é inclusive bem visto pela sociedade. Como exemplo concreto temos o político que rouba e sempre escapa da Justiça: este é o “esperto”, aquele “que se deu bem”, e que se torna – infelizmente – até mesmo um modelo para a sociedade.

Claro está que estamos no auge do “jeitinho brasileiro” em nossa política nacional. A partir do momento em que o Senador José Sarney se dirige à tribuna do Senado e afirma: “a crise é do Senado, não minha”, está ele tentando dar um “jeitinho” para se eximir de suas responsabilidades. A partir do momento em que afirma que “qualquer um teria feito o mesmo em meu lugar”, está sendo um “homem cordial”, apelando para o lado emocional do cidadão brasileiro. Quando o Senador Delcídio Amaral afirma que contratou a sobrinha de Sarney em retribuição a um “favor pessoal”, está sendo um “homem cordial” – deixando de lado a formalidade e fundamentando suas ações em sua amizade com o Senador José Sarney.

Quando o presidente Lula afirma que “não se pode julgar o Senador José Sarney”, ou quando afirma que “Sarney merece um tratamento especial devido à sua história”, está sendo um “homem cordial” no pior sentido da expressão – aquele que leva à informalidade, que leva a acreditar que é “melhor” ou “superior” a palavra do “amigo” do que o que a lei diz, o que leva a ignorar-se a lei em benefício das amizades ou dos laços pessoais. Tais situações, infelizmente, concretizam a máxima atribuída ao presidente Arthur Bernardes (1922-26): “aos amigos, tudo; aos inimigos, tanto quanto possível, o rigor implacável da lei”.

Enquanto o “jeitinho brasileiro” for um elemento fundamental – talvez até mesmo preponderante – da cultura brasileira, não há como o País alterar seu cenário político.

Enquanto o cidadão “comum” continuar achando que “para tudo se dá um jeitinho”, passando por cima da lei – seja fazendo um “agrado” ao policial que o para na rua, seja tentando passar por cima de prazos (já que o brasileiro deixa tudo para última hora), ou seja considerando que o Honesto é trouxa e o Malandro é o modelo a ser seguido – seus representantes serão um reflexo de sua própria atuação: se o cidadão “dá um jeitinho”, por que o político também não daria?

Se o cidadão não se interessa por política e não participa – cobrando constantemente de seus representantes –, por que o representante irá se preocupar com a vontade popular? Apenas com uma profunda mudança cultural será efetivamente possível mudar a cultura política brasileira.

*Matheus Passos é colunista do Perspectiva Política aos sábados, é cientista político

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