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domingo, 9 de janeiro de 2011

Recaídas

Outro dia li uma notícia curiosa sobre uma espécie de tragicomédia grega ocorrida com um casal bósnio: ambos, cada um por si, entraram em chats de relacionamento na Internet, usando apelidos. Quis o destino que se cruzassem durante as navegações e começassem a se relacionar. Aumentando a intimidade, abriram os problemas que enfrentavam no casamento, obviamente sem saber que falavam um do outro. Encontraram na cumplicidade online a compreensão que faltava em casa, e se apaixonaram. A grande decepção ocorreu quando resolveram encontrar-se ao vivo, com a constatação de que o doce parceiro virtual era na verdade o carrasco doméstico. Diz a notícia que o divórcio litigioso está em curso, recheado de acusações de traição.
Além do pitoresco, o episódio permite algumas reflexões acerca da relação a dois. Primeiro, a de que a mágica da atração romântica deve ter suas leis gerais, o que explica nosso “faro” para tipos com alguns traços estruturais. Correndo o risco de simplificação rasa de um assunto complexo: os carentes devem buscar instintivamente os mais protetores e vice-versa; sádicos e masoquistas devem se procurar; filhas podem desejar réplicas de seus pais e filhos podem fazer o mesmo com os respectivos modelos de mães, com os quais possam repetir antigas dinâmicas, e assim por diante.
Vale até insistir no ex-parceiro, em clima de tragédia, farsa cibernética ou mera recaída. Isso apesar de, como diz minha mãe, haver tanta gente no mundo! De fato, não é incomum ex-namorados, casais divorciados ou separados tentarem reaproximações. Muitas vezes o encanto no momento do reencontro é tão intenso quanto o fogo da paixão inicial. Parece que o tempo é um elixir do bem, apagando temporariamente as más lembranças da experiência passada e dando relevo apenas às boas e agradáveis. Uma espécie de reapaixonamento, durante o qual cada um volta a fantasiar sobre o outro a seu bel prazer, projetando no parceiro, idilicamente, o herói perfeito. Pode até dar certo em alguns casos nos quais ambos “voltam à Terra” juntos, com realismo, e se propõem à tolerância indispensável numa convivência entre reles seres humanos. Já vi muitos casos, no entanto, em que a “memória” abafada do lado menos glamouroso da relação emerge, viciada pelas antigas correlações: ocorrendo a primeira frustração na lista de expectativas sobre o parceiro, este “sabe” que não se trata de um fato isolado e justificável, mas de simples reincidência histórica. A reação do “prejudicado” não será a de um neófito, mas a de alguém que guarda um passivo acumulado, desproporcional, portanto, ao que alguém de fora poderia supor ser uma pequena falha. Um mero esquecimento não corresponderá a uma pequena mágoa, mas a uma tragédia, se houver passado. Apagar registros históricos só com lobotomia ou em filmes futuristas.
É muito difícil não fazer projeções irrealistas sobre o outro. Como diz a piada: a mulher se casa porque acha que vai conseguir mudar o homem; o homem, porque acha que a mulher nunca vai mudar. Constatar que alguns traços são estruturais fazem parte do outro é uma verdadeira afronta ao nosso ego, na medida em que nos mostra nossa impotência. Parece que não somos bons o suficiente para inspirar a “melhoria” do parceiro. Ao invés de reconhecer que a convivência é um exercício de respeito a um conjunto de características do outro – e muitas delas podem não nos agradar –, às vezes fica mais fácil taxar o parceiro de insensível cabeça dura. E ir de novo, cegamente, em busca da (improvável?) metade ideal.

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