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sexta-feira, 10 de abril de 2009

Elemento surpresa por Rosana Faria de Freitas...

..."Não existe relação sexual", disse o psicanalista Jacques Lacan. Em matéria de sexo, defendia o francês, um desejo nunca corresponde exatamente a outro desejo, fica sempre uma brecha, uma diferença. Não faltam histórias para comprovar a tese. Como a que o diretor de arte Sylvio Pinheiro, 42, viveu no tempo em que fazia faculdade, ao topar a cantada de uma colega.

"Estava indo tudo bem, com direito a várias 'sessões'. Quando iniciamos a terceira, ela disparou: 'Agora vamos fazer do jeito que eu mais gosto'. E deu um salto da cama para o chão -numa agilidade incrível, parecia uma ginasta -, plantou bananeira, ficou encostada na parede, de cabeça para baixo, toda retinha, e disse 'vem!'. Fiquei assustado, minha reação imediata foi desatar a rir. Gargalhei descontroladamente por alguns minutos", lembra Sylvio.

A acrobata ficou ofendidíssima. "Ela chorou, se trancou no banheiro, fiquei um tempão ali na porta, conversando, pedindo desculpas. Meia hora depois saiu nua -e comendo um tomate! Achei tudo surreal; até hoje fico me perguntando por que diabos ela guardava tomate no banheiro..."

Claro que, depois disso, não houve jeito de a bananeira dar algum fruto.

Estabelecido o susto, é bobagem resvalar na caquética discussão do que é ou não "normal" -se tem gente que adora sorvete com pizza, de que vale discutir o gosto? O problema é que sexo é um prato que se come a dois (pelo menos, dirão os atirados) e, se a lista de ingredientes é interminável, a possibilidade de levar alguns sustos se torna inevitável.

No caso da pesquisadora Ana Oliviero, 53, a surpresa ocorreu depois de cinco meses de um namoro que corria muito bem. "Ele se sentia tão à vontade que achou que poderia experimentar tudo. Um dia, na casa dele, sumiu por um tempo e voltou ao quarto vestido com um longo preto, decotadíssimo na frente e atrás, acompanhado de sandália de salto alto e fino. Fiquei tão atônita que fui embora na seqüência", lembra Ana.

Nem era tão radical a viagem -o moço até dispensou maquiagem e lingerie-, mas a pesquisadora achou "grotesco" e, dali em diante, a relação desandou. "Sou muito aberta, acho que a inversão de papéis é bem-vinda, até porque não existem dois papéis a cumprir e, sim, duas pessoas livres", justifica, para emendar em seguida: "Mas quando apareceu vestido de mulher parecia que ele estava fazendo o contrário disso, estava demarcando terrenos. Era um homem muito masculino, ficou estereotipado, uma coisa meio carnavalesca, cômica e, sem dúvida, nada excitante." Mas o vestido era muito bonito, recorda.

Sem regulamentação
Na maior parte das vezes, o susto é mera diferença de abordagem, de linguagem, já que o dialeto do sexo é múltiplo, variado, poliglota. "Não existe inadequação no relacionamento sexual humano, embora a moral vigente sempre tenha buscado regulamentações. A sexualidade é, por excelência, o terreno do desejo e do gozo", explica Jorge Forbes, psicanalista e discípulo de Jacques Lacan, de quem foi aluno.

E, como tal, difícil de administrar. "Viver a sexualidade dá trabalho, é o mínimo que se pode dizer de uma prática submetida a reinvenção constante. É até compreensível que as sociedades criem preconceitos, tabus, medos para controlar a angústia dessa força que exige uma satisfação e da qual não se escapa impunemente", observa.

Para serenar os possíveis leitores intranqüilos, é bom dizer que, se não cabe normatizar o desejo, também não dá para achar que tudo é absolutamente normal. A diferença é mais ou menos a que rege atacado e varejo. Uma ou outra pitada de exibicionismo, fetiche, sadomasoquismo e outros ismos faz parte do repertório sexual da maioria. Em excesso, porém, esses mesmos comportamentos podem ser classificados como transtornos de preferência ou parafilia, termo usado pela psiquiatria para nomear distúrbios psicossexuais.

"O que caracteriza a patologia, quer dizer, o comportamento doentio, é a exclusividade, a dependência. O indivíduo sempre precisa vivenciar a relação sexual daquela forma para obter prazer ou faz o sexo padrão fantasiando o tempo todo. Isso o caracteriza como um parafílico", explica Alexandre Asaadeh, professor da PUC-SP e psiquiatra especialista em sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

Nesses casos, até quem gosta de jogar o jogo pode se sentir desconfortável. A estudante Bárbara Pinheiro, 20, namorava há dois meses quando o namorado declinou sua preferência pelo "fio terra", prática um tanto comum que consiste em usar o dedo em carinhos anais ou atividades, digamos, mais investigativas. Um dia, ele abriu sua nécessaire, viu um pote de creme e teve a brilhante idéia: em vez do dedo, o pote. "Achei um absurdo, mas atendi, e ele foi ao delírio. Repetimos a experiência mais algumas vezes, até que fui percebendo que o cosmético era mais importante do que eu, e terminei com ele." O creme voltou a ser só um creme.

Outro que preferiu cair fora foi o designer Gunter Sarfer, 28, que conheceu na balada uma garota do interior, "linda, delicada, meiguinha, quieta" -enfim, uma princesa. Não deu para escapar do roteiro básico: festa/carro/apartamento.

"A transa nem havia engatado e, de repente, a menina aparece com um festival de acessórios, parecia que eu estava numa loja, nunca vi tanto pênis de borracha, cada um de um tipo, cor, textura, tamanho." O "material didático" da moça incluía outros objetos fálicos, chicotes, correntes e máscaras. "Eu olhei tudo aquilo e aí ela anunciou, na lata, sua intenção de introduzir uns troços em mim! Broxei na hora." A princesinha, quem diria, era "louquíssima" demais para o designer.

Papéis fixos
A recomendação número zero de qualquer sexólogo é que ninguém se submeta a uma situação que considere inadequada, humilhante ou prejudicial. Mas, antes de dizer simplesmente não, é bom fazer um balanço honesto e responder: você costuma fazer o tipo "assustador" ou o "assustado"? Na definição de Jorge Forbes, o primeiro é aquele que ousa inventar; o segundo prefere se escudar atrás das burocracias sociais. "A sensualidade está ligada à imaginação, ao risco, ao exercício de sempre apostar", diz.

Como ser um burocrata da libido não é nenhuma vantagem, Alexandre Asaadeh dá um roteiro para escapar do papel. Primeiro passo: questionar-se se a proposta é realmente motivo para espanto. Segundo: perguntar-se "por que não? O que me impede?" Diz Alexandre: "Sexo é essa energia que se dissipa no ar, não dá para colocar dentro de uma caixinha e achar que é só aquilo ali. Às vezes é possível descobrir novas possibilidades, novos prazeres, se o que está rolando não ofende, não humilha, não machuca".

Forbes completa: "De toda a forma, a trincheira protetora do amor-rotina é pouco eficiente e acaba aborrecendo". Trocando em miúdos, tem que ver se vale a pena recusar todo e qualquer veneno antimonotonia.



Transtornos de preferência: No campo da patologia, o mais comum é o sadomasoquismo. É também o mais democrático, com homens e mulheres em proporções equilibradas. Todos os outros -voyerismo, pedofilia, fetichismo, exibicionismo -são predominantemente masculinos (mais de 90% das ocorrências). Os estudiosos levantam hipóteses que vão de questões edipianas, biológicas, ambientais e até culturais -como as diferenças na educação masculina e feminina na sociedade patriarcal. "Mas existem trabalhos prós e contras todas elas", ressalva Alexandre Asaadeh, do Hospital das Clínicas.

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