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sábado, 25 de abril de 2009

Rita vai trabalhar....

Das laterais do ar condicionado sem moldura e sem vedação vazam magros raios de sol. Deitada na cama, com os pés na parede, Rita sente a quentura que emana dali. Está há horas naquela posição, boa para circulação das pernas. São 16h30. Nesta longitude, já é quase poente.

“Recife é um inferno”, pensa.

“Calor do c******”, fala alto para si mesma, enquanto levanta-se ao mesmo tempo em que tira o vestidão de ficar em casa.

Vai para o banheiro minúsculo e abre o chuveiro. Mesmo na posição “verão”, a água sai quente. Ela junta água nas mãos e acha bonito o brilho que a luz provoca quando reflete nas gotas que caem. É uma luz quentinha, como se feita de refletor e gelatina de efeito. Cinema brasileiro.

Rita sai do box e não se enxuga. Anda pela casa deixando pegadas molhadas pelo chão. Ela sabe disso, mas não se importa, sabe que em minutos elas vão evaporar. E mesmo que elas não sumissem ninguém haveria de escorregar ali. Ninguém.

Ainda nua, pega o secador do lado da cama. Liga na ventilação mais alta e na temperatura mais baixa. Joga o cabelo para frente e direciona o bocal para a nuca. O vento soprado pelo eletrodoméstico somado ao ar condicionado faz uma frescurinha boa na pele. Joga a cabeça para trás e desequilibra-se por um segundo. Ri de si mesma, segurando no guarda-roupa. Álcool.

Faz uma pose para si mesma, arrematada com um bico sensual de quem está sendo fotografada para uma revista masculina

De dentro da gaveta do criado mudo tira um frasco de óleo hidratante. Enquanto passa nas pernas e nas coxas, vai se olhando no espelho vertical que está pendurado em um prego na parede. Chegando aos culotes, aperta a região e decepciona-se com a presença de celulite. Carne.

Pouco depois, anima-se ao passar as mãos pelos seios e certificar que ainda estão bem firmes. Faz uma pose para si mesma, arrematada com um bico sensual de quem está sendo fotografada para uma revista masculina. “Por R$ 500 mil eu ia”, pensa tão rápido que nem se dá conta do que lhe passou pela cabeça. Desejo inconfessável.

Seu olhar sai do espelho e corre até o rádio relógio que fica em cima do criado mudo de onde saiu o óleo hidratante. “Merda”. Rita se dá conta que está atrasada. Movimentando-se mais rápido, abre uma grande gaveta do guarda roupa de compensado revestido de laminado cedro. Procura uma calcinha no meio de uma grande massa formada por roupas de baixo coloridas. Precisa de uma branca.

Com pressa, veste a peça e vasculha mais uma vez a gaveta em busca de um sutiã. Acha o seu favorito, bem velho, macio. Num golpe rápido abotoa atrás, num semi contorcionismo que faz suas omoplatas saltarem das carnes. Com as mãos, acomoda os seios no bojo. Simetria.

Abrindo a outra porta do móvel, embrenha-se entre centenas de roupas, penduradas em dezenas de cabides. O espaço está claramente dividido: do lado esquerdo coloridas, do lado direito, brancas.

Aliviada, tira do emaranhado de tecidos um chemisier muito alvo, com botões na frente. Abre os 4 botões mais próximos ao busto e veste a roupa por cima da cabeça. Mais uma vez ri de si mesma quando se vê ligeiramente entalada. Sustância.

Uma vez dentro do vestido, mira mais uma vez o espelho, tira o cabelo do rosto e abotoa os botões que abrira anteriormente. Sem parar para se admirar, volta-se para debaixo da cama, onde estão seus confortáveis sapatos brancos. Estão meio gastos demais, mas é justamente isso que os faz tão bons. Conforto.

Sem nem mesmo sentar para isso, enfia os pés nos calçados, como num passo de dança. Olhando mais uma vez para o relógio, 17h45, afoba-se e sai batendo a porta. Trabalho.

Quando voltar estará exausta, com as pernas doloridas. Esqueceu das meias-calças de compressão. Varizes.

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