Coluna Contraponto - Clique no LINK ABAIXO

sábado, 4 de julho de 2009

Briga de casal francês vira fetiche em palestra na Flip

Não havia cadeira vazia, e pelos corredores dezenas de pessoas sentadas no chão. No palco, além do mediador da conversa, Sophie Calle e Grégorie Bouillier, dois franceses que resolveram lavar a "roupa suja" do fim de seu relacionamento de sete anos em plena mesa de discussão da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), neste sábado, com a proposta anunciada de que este seria o primeiro encontro público dos dois desde a separação.

Veja a cobertura da 7ª Festa Literária Internacional de Paraty

Divertida, a mesa teve ares de programa de auditório, e prendeu o público até o final. Mas eles são bons. Trocaram "farpinhas" e gentilezas. Ela disse que retomaria o romance se ele a tivesse procurado, mas queria que a iniciativa partisse dele --recebeu aplausos pela fala. Ele disse que todos têm o direito legítimo de amar e de deixar de amar. Também recebeu aplausos.

Mas onde está a literatura nisso tudo? Bem, Calle é artista plástica e escritora. Bouillier é memorialista. Ela expôs a relação dos dois mandando a 107 mulheres o e-mail de separação enviado por ele e criou uma exposição com a impressão dessas mulheres. Ele escreveu um livro contando o relacionamento de ambos. Ou seja, entre eles, definitivamente, não existe a possibilidade de algo como "vamos deixar isso entre nós".

O mediador da conversa pouco literária, Angel Gúrria-Quintana, entrou no clima do casal, que fumou sem parar durante a discussão e misturou por completo suas obras e suas vidas pessoais, algo que, aparentemente, são especialistas em fazer.

Houve quem dissesse que a mesa foi só fala do começo ao fim: falou-se em montagem, espetáculo, armação. É difícil pensar que Calle e Bouillier possam ser totalmente abertos e francos, especialmente por se tratar de artistas que se baseiam em suas vidas para criar suas obras.

Joca Reiners Terron, mediador constante na Flip, disse que não gostaria de fazer a mediação da mesa Calle-Bouillier. "Eu hein! E ficar fazendo papel de vela?". Já Beatriz Resende, que mediou as mesas 3 e 7, acha o contrário: "Claro que eu faria! Adoro! Foi melhor até do que Chico Buarque e Milton Hatoum!". O público parecia concordar com ela, tamanha a excitação das pessoas que seguiram os dois escritores até a mesa de autógrafos. O franco-afegão Atiq Rahimi, que participou de um debate ontem com o brasileiro Bernardo Carvalho, disse que achou a mesa "um excelente espetáculo".

Talvez seja essa a melhor palavra para definir o que se passou entre Calle e Bouillier. Entre algumas tiradas mais provocativas, reinou um certo clima de harmonia entre os dois, que já haviam jantado juntos na noite de sexta-feira (3) em Paraty. Afinal, como eles mesmos disseram, foi o primeiro encontro público após a separação, mas não o primeiro encontro.

Ao responder a última pergunta do público, Calle contou que já tem um novo amor, que lhe pediu para não ser transformado em obra de arte. "Eu concordei", disse ela. E completou em seguida: "Mas isso não quer dizer que eu não o faria".

Leia algumas das frases ditas por Calle e Boullier durante a conversa

Calle - "Eu não leio nunca, acho que esta foi a primeira vez." (sobre fazer a leitura em voz alta de seus textos)

Boullier - "O Grégoire do livro... sou eu. É a parte trágica e engraçada de estar aqui."

Boullier - "Não importa quem, somos personagens do romance de nossa própria existência."

Calle - "O projeto acabou se tornando mais interessante do que a história de amor. Se tivesse visto Grégoire enquanto o fazia, não teria continuado. Por isso, desapareci dentro do projeto."

Boullier - "...esse e-mail terrível, 107 vezes terrível..."

Boullier - "Me sinto privilegiado com a história [da exposição]. Não concordo com o sentido, mas me sinto privilegiado."

Calle - "Você sabe que eu sei me cuidar."

Calle - "Eu achei que a minha resposta era a adição das 107 mulheres. Eu era a artista ali. Eu as convidei e não retirei nenhuma do projeto."

Boullier - "O e-mail não é um projeto de um escritor. Um escritor não pode delegar os seus sentimentos a 107 pessoas."

Boullier - "Em 'O Convidado Surpresa' [livro de Boullier] tem uma página que anuncia o rompimento. Gostaria que ela tivesse usado essa página para a exposição. Aí sim teria sido um trabalho de escritor."

Calle - "Para mim, era a carta de um homem atrapalhado que não sabia como cair fora." [Referindo-se ao e-mail de separação]

Bouillier - "Eu queria deixar a Sophie. Mas todas as mulheres que amo eu chamo de 'vós', é a minha linguagem de apaixonado." [Em resposta a uma pergunta do público a respeito da formalidade como se referia a ela]

Calle - "E todos os homens com quem eu durmo eu também chamo de 'vós'."

Ao final da mesa de discussão, Calle relatou a última conversa dos dois antes de subir ao palco.

Boullier - "Se você se desculpar eu caso com você"

Calle - "Mas eu não me desculpei, então não tem o que discutir".

Boullier - "E ninguém disse que eu o faria [o casamento]."

Nenhum comentário: