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sábado, 13 de dezembro de 2008

Violência como troco ( WALMAR bUARQUE)

Já se passaram mais de quarenta anos, mas me recordo, e como, dos bons tempos em que morava em Copacabana, numa praça onde desembocava o túnel velho, o primeiro túnel construído no Rio de Janeiro, a praça ainda se chama Rocha Leão num bairro bucólico e aconchegante dentro de Copacabana chamado bairro Peixoto, hoje tombado pelo patrimônio histórico. Nesse tempo vivíamos em um prédio ao lado da subida do morro e convivíamos em paz e harmonia com os moradores que a cada dia novos vizinhos vinham se juntar aos outros até que cresceu tanto que próximo dali na rua Siqueira Campos apareceu uma ladeira que foi nominada de Tabajara, hoje tão difundida pela turma do Casseta e Planeta, como produtos Tabajara com ecooo.
Nesse tempo existia no Rio de Janeiro uma rede de lojas chamada Rei da Voz do Medina, pai do hoje Deputado Federal do Rio de Janeiro Rubens Medina que promove o Rock in Rio, que junto com outros meninos entre eles o Bernard do Vôlei e com os outros adolescentes do morro disputávamos jogos de futebol de campo de vôlei. Tínhamos um time de futebol de praia, freqüentávamos as mesmas escolas públicas e vivíamos em paz e união a pesar das diferenças sociais até então não excludente, visto que a convivência e a amizade entre nós tornava-se apenas situação emergencial de convivência, muitos desses companheiros favelados tornaram-se hoje médicos, profissionais liberais, comerciantes e ilustres artistas até hoje respeitados.
Mas voltando ao Rei da Voz, esta era uma empresa forte e grande patrocinadora de programas famosos da TV brasileira. O Sr. Medina trazia as grandes atrações internacionais, era uma festa.
Até então era assim que ele se promovia, a si e ao seu comércio. Depois ele partiu para promover reformas e construções de praças por toda cidade com fontes luminosas de esculturas modernas e avançadas para aquele tempo.
E é a aí que minhas lembranças param e hoje eu reflito que aquele fato foi um marco histórico do começo da segregação racial e da exclusão dos que moravam nos morros, as escolas públicas foram entrando em decadência e só as freqüentavam os favelados, visto que já naquele tempo a merenda era uma vantagem para os mais excluídos. Passamos a freqüentar clubes, nos jogos de futebol já não mais participavam com moradores do morro, com o tênis, na natação, enfim, a segregação social começou aí.
Ao mesmo tempo o descuido do poder público para com aquela população que se amontoava nas encostas, se omitindo e os ignorando passaram a se organizar do jeito que podiam, e se organizaram muito bem, passaram a também ignorar os que moravam no asfalto, mas até então em paz e com respeito.
Começaram as escolas de samba indo para as avenidas, os clubes sociais foram criados, os melhores mecânicos estavam nos morros e assim começou uma relação de troca de serviço por dinheiro, festas com as lindas e liberadas faveladas. Da convivência com os não favelados veio a cumplicidade na compra de objetos roubados e de peças mais em conta e nessa relação começaram a oferecer maconha, depois cocaína e com a cumplicidade e incentivo de ricos e poderosos começaram a se organizar em quadrilhas e começou a demarcação de territórios e de reserva de mercado.
Fico pensando se quando o Sr. Medina teve a idéia de promover seu negocio particular promovendo a melhoria de vida dos que viviam no asfalto, e o governo municipal promovesse o mesmo nas favelas fazendo, creches, escolas de qualidade, clube de mães, bibliotecas, saneamento básico, energia elétrica, urbanismo, enfim, promovesse benefícios sociais compatíveis com a invasão de encostas, morros e várzeas por parte de pessoas que em tese deveriam ter o mesmo tratamento visto que lhes foram permitido essa invasão, não teríamos já naquele tempo do cantor e compositor Zé Keti aquela música que diz: “O morro não tem vez, e o que ele fez já foi demais” e numa ameaça velada ele disse: e “quando o morro descer, a cidade vai cantar”.
Os morros não desceram, se firmaram e hoje são verdadeiras cidades e o mais agravante, com poder paralelo, autônomo e independente. Não querem mais os benefícios do governo. O poder das drogas já os sustentam e promove os benefícios sociais ignorados quando ainda podiam ser promovidos pelos governos, que agora perderam o controle e o respeito.
A lei que vale nas favelas é a imposta pelos que detêm o poder da vida e da morte para os que vivem nesses estados paralelos dentro da cidade.
E agora estou em Maceió. Em 22 anos estou acompanhando com preocupação a mesma história de omissão e descaso com o crescimento desordenado das grotas e favelas em Maceió, vejo um bairro com proporções de cidade como o Benedito Bentes, esquecido e lá proliferando a prostituição infanto-juvenil, o tráfico de drogas, o abandono de crianças sem creches e escolas repetindo uma história vivida por mim no Rio de Janeiro há quarenta anos atrás.
O que esperar dessa multidão de desencantados e enganados cidadãos que não vêem a hora que seus direitos sejam respeitados, “a esmola é covardia, o troco é a violência”.
Não se engana a todos por muito tempo. Portanto preparem-se, pois um dia eles virão buscar o que lhes é de direito.
Dignidade e respeito, porém com violência.

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